8 de nov. de 2011

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ENTÃO, É NATAL?
Lucas Mani Jordão
Faltam quase dois meses, mas para os shoppings de São Paulo já é natal. Nada de estranho visto que o comércio encara as datas comemorativas (quando somos “obrigados” a nos presentearmos uns aos outros) como um farto banquete. Nessas datas podemos torrar os caraminguás que, literalmente, nos matamos para conseguir com bugigangas que distribuímos para demonstrar o carinho e a atenção que não damos aos que amamos, pois gastamos todo nosso tempo trabalhando para pagar as contas, muitas das quais contraídas na compra de bugigangas inúteis.
É ridículo o suceder de “dias especiais”: ano novo, carnaval, páscoa, dia das mães, dos namorados, dos pais, das crianças, dos professores, natal... Todos acompanhados de apelos emocionados em campanhas publicitárias que nos exortam a consumir algo para demonstrar nosso amor.
O significado das datas desaparece. Em seu lugar são colocadas mascotes comerciais (um coelho que entrega ovos ou um velho gordo e barbudo que em uma noite corre o mundo para entregar (GRÁTIS!!!!) brinquedos para todas as crianças). Toda a complexidade histórica (e pessoal) que se expressa nos dias comemorativos é substituída por uma satisfação egoísta (onanística), cujo ápice (gozo) se encontra no consumo.
Particularmente nunca gostei do natal (quando criança gostava mesmo era das férias). Os brinquedos que ganhava me davam muita alegria, mas poder brincar com pais, avós, primos, tios e amigos sem ter compromisso com a escola nem hora para dormir ou acordar me fazia infinitamente mais feliz. Seu significado religioso tampouco tinha alguma relevância para mim, estar com os meus era o importante. Na casa de minha avó, um mês por ano, éramos uma pequena grande comunidade feliz. Hoje gosto menos ainda do natal: minha avó faleceu, não há mais reuniões familiares e não posso passar muitos dias descompromissado sem hora para dormir e acordar.
As lojas, porém, adoram o natal e fazem todo o esforço para adiantá-lo mais e mais a cada ano. Essa é a expressão clara da voracidade do sistema do capital cunhado nos excessos: exploração, superprodução e desperdício. A experiência de mundo de milhões de pessoas é deliberadamente empobrecida: infantilizados, tendemos a reduzir tudo ao ato obsceno de compra e venda, como zumbis nos acotovelamos nas galerias dos shoppings para adquirir (a um custo infinitamente maior do que o preço que pagamos, considerando os impactos sociais e ambientais) a última obsolescência programada.
Ainda é outubro, mas já é natal. Não há famílias reunidas nem crianças de férias escolares brincando nas ruas (não há mais ruas onde as crianças possam brincar), apenas pinheiros iluminados com a eletricidade que conseguimos através da destruição sistemática da natureza e pobres homens vestindo roupas siberianas suando em bicas no calor brasileiro, enquanto vitrines anunciam promoções imperdíveis, ofertas imbatíveis e oportunidades únicas.
Faltam 58 dias para o dia 25 de dezembro, mas já é natal. Tempo curto para nos programarmos para adquirir os objetos obsoletos que preencherão nossa ausência até a próxima “data especial”. Não recebemos visitas nem visitamos ninguém (ocupados e sem tempo para desperdiçarmos com bobagens). Não há ceias, pois temos que comer cedo (de preferência rapidamente) para podermos dormir, acordar e irmos conseguir os tais caraminguás para pagarmos as bugigangas. De fato, nas mesas de muitos não há o que comer, mas as lojas já estão enfeitadas, seus donos já contabilizam os lucros e não escondem o sorriso ao passarem com o carro importado por um ônibus lotado que vai em direção ao shopping.

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