13 de fev. de 2012

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O VOLUNTARISMO
OU O FETICHISMO DA ELITE
 “Nós temos que fazer com precisão
Entre projeto e sonho a distinção
Para sonhar enfim sem ilusão
O sonho luminoso da razão”
Lenine - Ecos do Ão
Em matéria da última quarta feira (08/02/2012), o jornal Folha de São Paulo destaca a atitude da estudante de engenharia da USP Ossana Chinzarian, 25, que “numa quarta feira quente” acordou com uma vontade de se “relacionar com as pessoas de forma mais humana” e uma necessidade “urgente de fazer alguma coisa”. Foi então que deixou seu amplo apartamento na zona sul de São Paulo, dirigiu-se até a “cracolândia” (palco da manobra higienista orquestrada pelo governo paulista), e “adotou” três moradores de rua (dois dos quais usuários de crack). A matéria na íntegra pode ser lida aqui.
A atitude da estudante, com todo verniz altruísta, denota um forte traço ideológico de nossas elites: o voluntarismo. Tese que encampa a idéia da vontade/desejo/querer individual como sendo a essência do universo, é a pretensão de mudar o curso dos acontecimentos através da imposição da vontade individual. O voluntarismo é o oposto da empatia, trata-se de um conceito extremamente autoritário.
O caso de Ossana, infelizmente, não é isolado, configura parte da ideologia da classe dominante atual, que podemos ver expressa na autroproclamação dos EUA como “polícia do mundo”, que com suas “ações humanitárias” massacram nações inteiras.
Basta uma pequena torção na história da jovem Ossana para percebermos seu viés ideológico: mesmo tendo canalizado suas ações em direção ao “outro” (os moradores da cracolândia) sua motivação é exclusivamente egoísta e autoritária; a empatia não está presente, não houve um deslocamento do eu para o outro, na medida que só a vontade (o querer) da estudante está em jogo. Não existiu a mínima preocupação com as reais necessidades do outro. O que desejam os moradores de rua, os viciados em crack? Do que eles realmente necessitam? Qual a vida que gostariam de levar? Onde e como gostariam de viver? Será que levá-los para a zona sul dar banho, comida e colocá-los para assistir ao filme dos X-Man é realmente o que eles precisam e QUEREM?, são perguntas que não aparecem aqui, pois não pertencem ao âmbito impositivo do voluntarismo. A subjetividade do outro não é considerada, sua humanidade é suprimida.
O que temos, na verdade, é a incontrolável necessidade de satisfação de um impulso - (EU) tenho que fazer alguma coisa - e a conseqüente imposição ao outro das soluções encontradas (pelo EU) para fazer a tal coisa.
O outro é reificado, perde a dimensão de sua própria existência humana. Por fim, a ideologia capitalista (diretamente responsável pela atual miséria global) é aplicada como remédio contra o que ela mesma criou: Ossana alugou um apartamento para os “adotados”, comprou roupas novas e tentou lhes arrumar empregos.
Dito de outra forma: A situação degradante em que vivem os miseráveis nas ruas, nas cracolândias, lixões, favelas, etc, é engendrada por um sistema que divide o mundo entre uma pequena elite, dona de tudo, e uma multidão de despossuídos. É a miséria das massas exploradas, daqueles que tudo produzem e nada têm que gera esses ambientes onde a vida humana se degrada. A miséria absoluta só existe em função de sua contrapartida: a acumulação absoluta de riqueza. Em última instância, são os ricos que geram os miseráveis. Assim, a atitude de Ossana, e da elite em geral, é fetichista, pois constitui um desmentido da realidade, onde o fazer alguma coisa esconde o fato de que a lógica do capital (riqueza nas mãos de poucos à custa da exploração tudo e de todos) é o verdadeiro problema.
Lucas Mani Jordão

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