11 de dez. de 2011

Contos

Quero enlouquecer
Numa tarde chuvosa de verão, solitário, amargurado com a vida, Sérgio olhava pela janela do oitavo andar de seu apartamento, que ficava num bairro nobre desta grande metrópole.
Por sua memória ríspida, mas saudosista, passava parte de sua vida. Vida de sucesso alcançada por muito trabalho, poucos amigos, muitos divórcios, pouca diversão.
Na mesma manhã, fechara um negócio extremamente lucrativo, apesar de não ter ido ao escritório por motivos de doença; trabalhou feito louco para dar tudo certo com os chineses.
No início do mês, os chineses vieram pra cá dispostos a findar com as negociações, “um negócio ocidental tão desvantajoso”, falava em más palavras nativas, o representante da empresa chinesa.
Mas Sérgio, macaco velho, sabia que eles não viriam pra cá se realmente não tivessem interesse no negócio.
“Só querem tirar vantagem”, dizia. “Mas eu sou mais esperto”.
Antes das primeiras reuniões, uma assessora do representante chinês deu à Sérgio um pedaço de madeira todo estilizado.
Este pedaço de madeira foi devolvido cinco meses depois de enviado à China. Ele era oco e dentro não tinha nenhum papel, nem mesmo o que ele tinha colocado com os dizeres: quero enlouquecer.
Há nove meses, durante as negociações, descobriu numa rede social a foto da assessora com a pessoa que recebera o presente. A assessora não entendeu seu interesse, mas passou os recados que não foram respondidos.
Há um ano foi que tudo começou em uma viagem à China. Depois de um vôo desgastante, tirou um dia de descanso, algo incomum para ele.
Foi dar um passeio neste dia, nada para se divertir, mas queria conhecer mais sobre os chineses para tirar vantagem nas negociações.
Se aproximou de uma festa de rua muito alegre e com muitas pessoas. Até deu um sorriso. Andou por entre as pessoas que desfilavam pelas ruas.
Inacreditavelmente se esqueceu do porquê estava na China.
Ao longe viu uma moça e se encantou por ela.
Tentou se comunicar em inglês, mas ela não respondia. Ele insistiu por horas e só então ela falou em um inglês tarzânico: “you crazy”.
“Não, não sou louco, mas por você quero enlouquecer”.
De volta ao apartamento, Sérgio não mais está. A janela está aberta e em toda casa está escrita em letras grandes: quero enlouquecer.

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