Quero
enlouquecer
Numa
tarde chuvosa de verão, solitário, amargurado com a vida, Sérgio olhava pela
janela do oitavo andar de seu apartamento, que ficava num bairro nobre desta
grande metrópole.
Por
sua memória ríspida, mas saudosista, passava parte de sua vida. Vida de sucesso
alcançada por muito trabalho, poucos amigos, muitos divórcios, pouca diversão.
Na
mesma manhã, fechara um negócio extremamente lucrativo, apesar de não ter ido
ao escritório por motivos de doença; trabalhou feito louco para dar tudo certo
com os chineses.
No
início do mês, os chineses vieram pra cá dispostos a findar com as negociações,
“um negócio ocidental tão desvantajoso”, falava em más palavras nativas, o
representante da empresa chinesa.
Mas
Sérgio, macaco velho, sabia que eles não viriam pra cá se realmente não
tivessem interesse no negócio.
“Só
querem tirar vantagem”, dizia. “Mas eu sou mais esperto”.
Antes
das primeiras reuniões, uma assessora do representante chinês deu à Sérgio um
pedaço de madeira todo estilizado.
Este
pedaço de madeira foi devolvido cinco meses depois de enviado à China. Ele era
oco e dentro não tinha nenhum papel, nem mesmo o que ele tinha colocado com os
dizeres: quero enlouquecer.
Há
nove meses, durante as negociações, descobriu numa rede social a foto da
assessora com a pessoa que recebera o presente. A assessora não entendeu seu
interesse, mas passou os recados que não foram respondidos.
Há
um ano foi que tudo começou em uma viagem à China. Depois de um vôo
desgastante, tirou um dia de descanso, algo incomum para ele.
Foi
dar um passeio neste dia, nada para se divertir, mas queria conhecer mais sobre
os chineses para tirar vantagem nas negociações.
Se
aproximou de uma festa de rua muito alegre e com muitas pessoas. Até deu um
sorriso. Andou por entre as pessoas que desfilavam pelas ruas.
Inacreditavelmente
se esqueceu do porquê estava na China.
Ao
longe viu uma moça e se encantou por ela.
Tentou
se comunicar em inglês, mas ela não respondia. Ele insistiu por horas e só
então ela falou em um inglês tarzânico: “you crazy”.
“Não,
não sou louco, mas por você quero enlouquecer”.
De
volta ao apartamento, Sérgio não mais está. A janela está aberta e em toda casa
está escrita em letras grandes: quero enlouquecer.
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