29 de ago. de 2014

Projeto Deslenda

O Lobisomem
Sentado a sua mesa de escritório, fazia suas contas: cartões, supermercado, toda a frivolidade rotineira que nos é empurrada goela abaixo.
Pensava em sua vida antiga, era mais fácil ser caçado, pelo menos sabia que a qualquer momento poderia receber uma bala de prata no peito.
Sim. As histórias, lendas e mitos sobre ele nem sempre foram certas, contudo nem sempre erradas. A bala de prata, verdade; apesar que também poderia ser de ouro ou qualquer outro minério com exceção do chumbo. Comer crianças não batizadas, verdade também; se bem que as batizadas ele optou por não comer, pois começou a dar-lhe indigestão depois de se converter ao catolicismo. Ter sido o sétimo filho, mentira, ou verdade; nem ele sabe ao certo sua origem.
Sobre isso, a teoria de alguns estudiosos seria a que ele poderia ser uma espécie que, ao invés de evoluir do macaco, evoluiu dos lobos. Mas o fato de ser o único lobisomem existente dos últimos milênios descartaria tal possibilidade.
Outra teoria aceita é a de que ele poderia ser um extraterrestre desmemoriado e perdido na Terra.
Seja lá como for, Roberto, que não mais gosta que o chame de lobisomem, optou por parar de ser lenda, cansou de ser perseguido e de ver filmes e versões das mais variáveis e ridículas sobre ele.
Casou-se com Ana, mulher humana. Quando juntos na rua recebem olhares horrorizados, fingem que são por medo dele, mas no fundo sabem que não.
Seu emprego de guarda noturno mal dá para pagar as contas e sentado à mesa do escritório faz contas, corta gasto daqui, de lá, de cá, num malabarismo que nada lembra seus áureos tempos de monstro caçado.
Apesar de odiá-la, fica cantando aquela música “vira-vira vira homem vira-vira vira homem lobisomem”. Respira fundo e lembra do dia em que tomou a decisão de mudar de vida.
Faz alguns poucos anos...
Cansado de caçar, pegou um dinheiro que achara na rua, entrou numa loja de conveniência e comprou algumas coisas.
Assustados, as pessoas na loja chamaram a polícia
Os policiais chegaram atirando “na ignorância mesmo”, como dizia ele; quando viram que suas balas eram inúteis, eles começaram a “conversar”.
–Deita no chão – disse o policial.
–Por quê? – perguntou o Roberto.
–Já mandei deitar.
–Tudo bem, mas eu não fiz nada de ilegal.
Ele foi preso. Seu julgamento durou meses. O promotor não ia muito com a cara dele, mas o defensor público foi incisivo:
–Estão o acusando de quê?
Durante o tempo de prisão é que conheceu Ana. Casaram-se dois meses depois de solto.
O telefone tocou. Eram seus amigos o chamando para beber, “tá aí uma coisa que não vou cortar”.
Penteou os pelos e foi ao boteco da esquina.

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